O legado de Gabo para um jornalismo melhor
Impossível não falar nisso: quando este volume estava em preparação, na Quinta-Feira Santa 17 de abril de 2014, morreu na Cidade do México, aos 87 anos de idade, Gabriel García Márquez, o fundador desta instituição, que há quase duas décadas plantou as bases do que hoje, depois de sua partida, é con-siderado, por próprios e estranhos, um dos seus mais significativos legados.
Não era possível, portanto, continuar elaborando este balanço institu-cional sem nos determos um pouco na memória de Gabo, sem termos a sensação de prestar contas ao professor, ao inspirador e ao amigo; sem pensarmos no que ele poderia pensar sobre as conquistas alcançadas por sua Fundação nos dois anos que aqui se apresentam (2012-2013).
O balanço, felizmente, é muito positivo. Em primeiro lugar, Gabo deixa, ao partir, uma instituição sólida com uma governança clara: uma diretoria internacional de alto nível; um extraordinário grupo de professores e con-selheiros generosamente comprometidos com os programas da Fundação, uma equipe de trabalho entusiasta, eficaz e dedicada, mais uma rede de cúmplices cordiais formada por um grande número de pessoas que traba-lharam na organização ao longo de quase vinte anos. E talvez o mais impor-tante: esse tecido dinâmico – muito vivo e rico de matizes –, feito da inte-ração de milhares de repórteres e editores que se conheceram nas nossas oficinas, seminários e prêmios, cuja amizade e coleguismo deu lugar a uma diversidade de intercâmbios e iniciativas editoriais, acadêmicas e de colabo-ração profissional que alimentam a profissão ao longo de todo o âmbito ibe-ro-americano. Gabo representa, antes de mais nada, o primeiro pilar e, para sempre, a inspiração, tendo deixado uma instituição que há muito possui vida própria e caminha com as próprias pernas, incrementando o enorme impulso que ele lhe proporcionou.
Em segundo lugar, é notável o capital social representado na força das alianças e apoios institucionais, que foram um motor histórico desta Fun-dação. Temos mantido e aumentado a capacidade de gerar acordos sólidos em prol do jornalismo ibero-americano. O principal deles, neste biênio, foi o que selamos com a Organização Ardila Lülle (OAL), que, por meio de uma aliança institucional baseada em valores de responsabilidade socioempre-sarial, oferece à FNPI um suporte geral que lhe permite realizar as ativida-des próprias de sua missão e planejar o futuro.
Também são fundamentais as alianças que mantemos com o grupo SURA, com Bancolombia e com a Prefeitura de Medellín em torno do Prê-mio Gabriel García Márquez, bem como a colaboração com a CAF - Banco de Desenvolvimento da América Latina, Promigas e Roche. Ao longo deste relatório apresentaremos outras parcerias estabelecidas no período.
Em terceiro lugar, temos clareza estratégica sobre a maneira como que-remos e podemos promover o bom jornalismo no continente. Seguimos quatro linhas de ação fundamentais, e é sobre elas que se estrutura esterelatório: a narração jornalística em todas as suas expressões; a ética como fator essencial de orientação do bom jornalismo, a par do compromisso com a sustentabilidade e a transparência da mídia, num contexto de liber-dade de expressão; a investigação e cobertura de temas-chave que afetam nossas sociedades; e a inovação e apropriação da mídia digital. O enfoque estratégico passa por revisões periódicas, em vista das transformações tec-nológicas que fazem do jornalismo palco de mudanças constantes no que tange à profissão, ao negócio e à relação com as audiências.
Nosso desafio, agora, é consolidar as conquistas já alcançadas, tornando--as sustentáveis no longo prazo, e a partir disso continuar ampliando nosso alcance e as oportunidades a jornalistas e veículos de comunicação. Não é uma tarefa fácil, dada a dimensão ibero-americana e as altas aspirações a que visamos. Mas a jornada será mais suave, como tem sido até agora, se seguirmos de mãos dadas com as pessoas e instituições que acreditam na nossa ação, as quais , com este relatório, queremos tornar partícipes das conquistas alcançadas.
2012-2013: a consolidação de um legado
Neste biênio conseguimos, entre outras conquistas, ampliar o programa de oficinas e seminários com uma variada oferta de recursos e atividades online, relançamos nosso principal prêmio com o apoio da cidade de Me-dellín, desenvolvemos o projeto do Prêmio Roche de Jornalismo em Saúde, fortalecemos o programa de ética jornalística e sustentabilidade da mídia, em aliança com SURA, e organizamos grandes eventos, como a Bolsa Ga-briel García Márquez de Jornalismo Cultural, pela primeira vez com abran-gência, e o II Encontro Novos Cronistas das Índias.
Nestes dois anos pusemos em prática a decisão da nossa Diretoria de incorporar à razão social o nome e a imagem do nosso fundador, que até en-tão eram tratados com discrição: mudamos nosso próprio nome para incluir o dele. Além disso, rebatizamos nosso principal prêmio (anteriormente Prê-mio Novo Jornalismo CEMEX + FNPI) como Prêmio Gabriel García Márquez e publicamos um verdadeiro marco editorial, Gabo periodista, livro antoló-gico com uma seleção de sua obra jornalística, com fotografias e artigos es-peciais para examinar a fundo as raízes do grande narrador na reportagem.
Nossa Fundação nasceu quando a Internet ainda engatinhava e só alguns poucos visionários previam o impactoque ela teria na estrutura da indústria jornalística. De lá para cá, acompanhamos esse processo com oficinas pio-neiras e, principalmente, com um estímulo à reflexão sobre as transforma-ções da profissão no novo ambiente digital. Sem perder de vista nosso DNA fundamental nem interromper as oficinas tradicionais, das quais realizamos 56 neste biênio, procuramos aproveitar as ferramentas que o mundo digital nos oferece para alargar nosso alcance pedagógico, pondo em circulação mais rapidamente as vozes e as ideias dos grandes jornalistas que lecionam na FNPI, bem como de outros convidados especiais. Multiplicamos os chats, os webinários, twitdebates, twitcams, as teleconferências. Enfim, lançamos mão de todos os recursos e possibilidades para nos estabelecermos numa plataforma pedagógica quase cotidiana, inspirada nos valores originais da FNPI, concretizando uma visão estratégica que desejamos manter e ampliar nos próximos anos.
Voltamos ao Brasil, depois de quinze anos. Apesar de mantermos um con-tato permanente e fértil com jornalistas e editores desse grande país — em nossas oficinas, com finalistas e ganhadores de nossos prêmios —, foi neste biênio que retomamos as atividades presenciais em solo brasileiro: três se-minários e oficinas. Isso nos permitiu estabelecer novas alianças e reforçar as já existentes com alguns parceiros estratégicos. Queremos construir ou-tras, que nos permitam manter uma sólida presença no país e assim rom-per a barreira cultural que tradicionalmente nos separa.
A FNPI procura acompanhar as transformações que o jornalismo mun-dial está vivendo e pô-las em debate e em prática na nossa região, abrindo caminhos de reflexão e trabalho para repórteres, editores e empresários de comunicação nos países ibero-americanos. Essa tem sido uma parte fun-damental do nosso esforço desde 1995, e com ele conseguimos obter uma visão panorâmica do jornalismo mundial.
Esta Fundação é mais uma obra de Gabriel García Márquez. Ele é o autor da ideia e quem deu a visão a ser seguida. Ele é o fundador principal e quem me pediu que colaborasse; ele financiou as primeiras fases e conseguiu os apoios iniciais em dinheiro, parceiros e professores. Ele deu várias de suas melhores oficinas. Ele foi o presidente até o dia de sua morte. Seus resulta-dos evidenciam um impacto sustentado no âmbito ibero-americano, como registra este relatório, que é um bom indicador de como e por que esta instituição trabalha.
A oficina de Gabo está mais viva do que nunca. A alegria está intacta. Nos-so compromisso é seguir em frente sem perder de vista a bússola original que Gabriel García Márquez nos deu: acreditar no jornalista como autor, na ética como condição inegociável e no poder das boas histórias para trans-formar a realidade. Assumimos essa missão com plena consciência da nos-sa responsabilidade com seu legado, o do nosso Gabo, que previu no mínimo um século de vida para esta oficina itinerante que saiu dos nossos sonhos quase vinte anos atrás. Ler o livro inteiro aqui