O jornalismo de soluções tem como princípio fazer uma cobertura rigorosa a partir das respostas a problemas sociais. No entanto, ao selecionar uma pauta não é necessário que a solução do problema seja completa, mas é importante que apresente alguma evidência de que ela funciona em algum estágio da implementação. Abaixo seguem algumas perguntas para auxiliar na produção da sua pauta e verificar se ela segue os princípios do jornalismo de soluções.  

1. A solução é a protagonista da narrativa?

Ao pensar em uma pauta com foco em jornalismo de soluções é essencial que a solução seja a protagonista do material jornalístico. Não adianta desmembrar um problema, mas mostrar as soluções apenas no último parágrafo. É preciso integrá-las em toda a narrativa.

Um exemplo é a reportagem escrita pela jornalista Semayat Oliveira para o site Lunetas sobre a Tecnologia Assistiva (TA), uso de recursos tecnológicos para apoiar pessoas com deficiência no ambiente educacional. É exposto que as políticas públicas para a formação de educadores com foco em educação inclusiva têm sido descontinuadas no Brasil, mas a repórter mostra quais são os resultados do uso da TA pelos estudantes, ilustra o texto com histórias de quem é beneficiado pelos recursos para o desenvolvimento e participação em sociedade. 

Não houve a negação de um problema, a descontinuação de políticas públicas, mas o foco foi a solução. Assim, é possível que leitores compreendam a importância da TA e cobre dos governantes investimentos na educação inclusiva.

2. Quem faz melhor?

Existem bons resultados para determinados problemas, mas para uma pauta é interessante destacar quem está apresentando um melhor desempenho. O caso de uma reportagem da rede Globo sobre a pandemia de Covid-19 pode ajudar a entender melhor o tópico. 

A repórter Renata Ceribelli mostrou que em agosto, quando o Brasil já tinha mais de 3 milhões de casos confirmados, 84 municípios - menos de 2% das cidades brasileiras - ainda não tinham nenhuma pessoa com diagnóstico positivo da doença. A matéria mostra quais ações estavam sendo realizadas para conter a chegada da enfermidade, por exemplo, implantar barreiras sanitárias.

Em um cenário no qual a pandemia já estava avançando para o interior do país, inclusive, em cidades pequenas, a reportagem conseguiu mostrar que havia quem estava lidando melhor para barrar o problema.   

3. Quais são os obstáculos para replicação?

Ao preparar a proposta de pauta também é importante pensar sobre quais são os obstáculos para determinada ação ser replicada em outro lugar. Observe o caso apresentado na reportagem do UOL: até o início de agosto, Trajano de Moraes, cidade localizada no interior do Rio de Janeiro, possuía 69 casos confirmados de Covid-19, mas nenhum óbito.

Desde o começo da pandemia, a prefeitura começou a executar ações como distribuir máscaras, fazer barreiras sanitárias e rastrear o vírus com testes. Segundo um dos especialistas entrevistados, Trajano de Moraes é referência para outras cidades pequenas de até 10 mil habitantes. Além disso, é preciso que o governante do município de mesmo porte não esteja em busca de “pílula mágica” para lidar com o problema.

4. Em qual nível funciona a solução e em qual nível não funciona?

Há uma boa solução, mas ela não funciona em todas as situações. Qual é a limitação que é preciso ter em mente? A reportagem do Nexo Jornal, por exemplo, fala sobre como o SUS (Sistema Único de Saúde) usa o WhatsApp para monitorar a Covid-19, mas mostra que a ferramenta é prejudicada pela qualidade da internet, principalmente no norte do país. Portanto, existe uma solução com resultados, mas em determinados casos ela não é efetiva por causa de outro empecilho.

5. Qual parte do problema não satisfaz a solução?

O exemplo da matéria do Nexo Jornal também ajuda a pensar nessa questão. A solução do uso de ferramentas tecnológicas é prejudicada pela qualidade da internet que interfere no contato com pacientes monitorados.

6. O que dizem os críticos?

Ao produzir uma pauta com foco em jornalismo de soluções também é necessário pensar na variedade de fontes e consultar quem não está envolvido diretamente nas ações executadas. Na reportagem publicada pelo UOL sobre o caso de Trajano de Moraes, por exemplo, há a voz de um especialista da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). 

7. Quais são os parâmetros de sucesso relevantes?

Se a solução é o fio condutor da narrativa, a reportagem não pode deixar de mostrar quais são os parâmetros de sucesso. O que faz com que aquela ação tenha um resultado positivo relevante? A reportagem publicada pelo site O Eco sobre o risco de a Fundação Zoo SP, por exemplo, apresenta os resultados do trabalho da entidade na conservação da fauna brasileira. A partir do detalhadamento das soluções entregues pela instituição é possível entender a sua relevância para o meio ambiente e por qual motivo ela não deve ser extinta.

8. Oferece detalhes da implementação?

Para mostrar a relevância de uma solução, apresentar os detalhes da implementação dela é essencial para a compreensão do público alvo. Na série de reportagens produzida pela jornalista Beatriz Jucá sobre cisternas, reservatórios de água da chuva, é mostrado no decorrer da narrativa o processo da implantação das cisternas, como elas beneficiam a população e contribuem para a execução de outras ações para lidar com a seca no sertão.  

9. Não sensacionaliza nem promove ponto de vista?

Por fim, uma reportagem de jornalismo de soluções não deve partir para o sensacionalismo nem promover um ponto de vista. Durante a preparação da pauta e no processo de produção da reportagem é preciso ter cautela para apresentar somente os fatos por mais que a solução seja algo que “encante”.

Sobre o projeto de jornalismo de soluções na América Latina

A Fundação Gabo e a Rede de Jornalismo de Soluções (SJN, sigla em inglês) trabalham em aliança em um projeto que busca formar e incentivar jornalistas da América Latina a aplicar o jornalismo de soluções, enfoque que busca investigar e narrar histórias que abordem respostas que dão ou poderiam dar a cidadãos e instituições a problemas sociais na região.

O projeto, apoiado pela Fundação Tinker, contempla a difusão e apropriação de ferramentas e guias, assim como a realização de atividades de formação como workshop, seminários virtuais e desenvolvimento de espaços de aprendizagem em redações de alguns veículos de comunicação da região interessados na modalidade.