Por que uma pesquisa sobre Covid-19 no Brasil foi tema de reportagem com foco em jornalismo de soluções

10 de Septiembre de 2020

Por que uma pesquisa sobre Covid-19 no Brasil foi tema de reportagem com foco em jornalismo de soluções

A reportagem mostra os resultados e utilidade da pesquisa que buscou entender o comportamento da pandemia de Covid-19 no Brasil.

A jornalista Naira Hofmeister relata que a reportagem estimulou a interação dos leitores pelo Whatsapp. Foto: Tânia Meinerz
Priscila Pacheco

 

Em abril, a Fundação Gabo e a Rede de Jornalismo de Soluções, com apoio da Fundação Tinker, lançaram uma edição especial do programa de bolsas de jornalismo de soluções na América Latina. Seriam selecionadas até nove pautas que tivessem como foco as respostas dadas a problemas no contexto da pandemia de Covid-19. 

A jornalista freelancer Naira Hofmeister foi uma das selecionadas. Moradora de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, Naira propôs escrever sobre a Epicovid19-BR, pesquisa liderada pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel), localizada no interior do estado, que tinha como ambição entender a disseminação do Sars-CoV-2, vírus que causa a Covid-19, pelo Brasil.

Ainda em março, um mês após o primeiro caso confirmado de Covid-19 no país, o Ministério da Saúde se comprometeu a financiar a pesquisa. Os testes começaram em maio e alcançaram quase 90 mil pessoas em todas as regiões em junho. Os primeiros dados foram úteis para gestores locais entenderem a dinâmica da doença em seus territórios. Apesar da utilidade da pesquisa, o Ministério da Saúde perdeu o interesse no trabalho e fez com que a UFPel recorresse ao financiamento privado para dar continuidade após julho. 

Além de leituras, entrevistas e checagens, Naira foi a Pelotas acompanhar uma das equipes que visitam as casas para testar as famílias. Na reportagem, a jornalista conta sobre a trajetória da Epicovid19-BR, descreve os resultados e discorre sobre o descaso do Ministério da Saúde, empecilho que a fez temer que a pauta “caísse”. 

“Eu demorei muito tempo para me dar conta que isso [desinteresse do Ministério da Saúde] era também parte da matéria, era dentro da limitação da solução”, comenta. A jornalista também traz um histórico sobre as pesquisas epidemiológicas da equipe de Pelotas que, inclusive, já influenciaram na produção de políticas públicas em diferentes países. 

Segundo Naira, a reportagem publicada no dia 5 de agosto e intitulada Como a UFPel realizou a maior pesquisa sobre a Covid-19 no mundo teve recorde de acessos no Matinal Jornalismo e despertou o interesse de leitores que interagiram pelo Whatsapp. “Esses dados indicam que as pessoas se envolveram”, completa. 

Naira ainda ressalta que o jornalismo de soluções é interessante para explorar a capacidade do debate público e que ela pode ver isso na prática por causa da sua reportagem. 

“[O jornalismo de soluções] reverbera essa busca por novas respostas, talvez dentro das limitações que estão apontadas, mas acho que tem essa capacidade maravilhosa de gerar um debate positivo e de alguma maneira mobilizar a cidadania que é uma coisa super importante que o jornalismo precisa fazer”, comenta.

Enfim, Naira concedeu entrevista à Fundação Gabo no fim de agosto e contou sobre a escolha e produção da pauta. 

 

A escolha da pauta

Para Naira, a pauta era boa para o jornalismo em geral, porque, além de ser uma das maiores do mundo, a pesquisa estava preocupada em entender o comportamento da Covid-19 no país. “A pandemia tinha chegado fazia pouco tempo aqui no Brasil e a gente tinha informação muito mais de outros países que do nosso território. A pesquisa se propunha a fornecer dados em um vazio de informação”, diz. A pauta era adequada ao jornalismo de soluções por dar resposta a um problema compartilhado. A solução não minimizaria diretamente os impactos da pandemia como uma vacina, mas oferecia dados que poderiam ser utilizados como ferramentas por governos locais para lidar com a doença.  

Um exemplo citado por Naira durante a conversa foi o caso do estado do Amazonas, no norte do país. A Universidade Federal do Amazonas analisou os dados coletados pela UFPel, percebeu que o contágio era maior na borda do rio Amazonas e foi entender o que estava acontecendo. No decorrer da reportagem, Naira mostra outros casos.

 

Viagem a Pelotas

Naira viajou a Pelotas no início de junho, depois de quase três meses produzindo matérias somente em sua casa, em Porto Alegre. Havia a preocupação de não ser um vetor de disseminação da Covid-19, mas ela tomou todos os cuidados necessários. Para acompanhar os entrevistadores, por exemplo, ela comprou avental, máscara, face shield, touca e sapatilhas para colocar nos sapatos. A cada casa visitada, era preciso trocar todo o equipamento.

A jornalista já tinha experiência em programar viagens para fazer reportagens, inclusive, com cuidados de segurança. Entretanto, foi a primeira vez que precisou de cautela para não disseminar um vírus. 

Segundo Naira, acompanhar a rotina dos profissionais foi muito importante para a reportagem. Afinal, uma parte da matéria era contar como a equipe conseguia fazer o trabalho. “Deu para ter uma dimensão do que a Universidade Federal de Pelotas, o setor de epidemiologia, faz”, comenta. Ela também pode observar o reconhecimento e admiração da população pelotense pela história e ações da universidade. A viagem foi durante a segunda rodada da pesquisa. 

 

Interesse do público

De acordo com Naira, apesar de a reportagem ser longa, foi a com maior número de acessos desde que o Matinal Jornalismo foi lançado em meados de 2019. Além disso, houve uma grande interação por parte dos leitores pelo Whatsapp do site. 

“As pessoas responderam, mandaram comentários e eram comentários exatamente assim: que legal ver uma iniciativa funcionando, que legal que isso dá certo, que legal que esses caras insistiram, vamos valorizar essa iniciativa. Teve muito retorno de gente falando sobre a importância da ciência, a importância dos dados em um momento de pandemia”, compartilha.

 

Sobre o projeto de jornalismo de soluções na América Latina

A Fundação Gabo e a Rede de Jornalismo de Soluções (SJN, sigla em inglês) trabalham em aliança em um projeto que busca formar e incentivar jornalistas da América Latina a aplicar o jornalismo de soluções, enfoque que busca investigar e narrar histórias que abordem respostas que dão ou poderiam dar a cidadãos e instituições a problemas sociais na região.

O projeto, apoiado pela Fundação Tinker, contempla a difusão e apropriação de ferramentas e guias, assim como a realização de atividades de formação como workshop, seminários virtuais e desenvolvimento de espaços de aprendizagem em redações de alguns veículos de comunicação da região interessados na modalidade.

 

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