Vivir è uma idade difícil

Vivir è uma idade difícil

Gloria pode ser lido como um conto de fadas sobre o envelhecimento, com um engodo realista, e uma inovadora perspetiva da condição feminina (na versão masculina isto é um lugar comum). Corre sempre o perigo de se tornar forçado, cometendo alguns excessos, na tentativa da demonstração da tese de que ser velho é como ser novo, apenas com mais algumas rugas na pele.
Manuel Halpern

Numa zanga, Gloria vira-se para o seu amante de 60 anos e diz-lhe: “Vê se cresces”. Ironia da expressão de o que na vida nunca passa ou tarda a passar. Ou, como diz Sérgio Godinho: “Nestas coisas do amor, estamos sempre adolescendo”.

Gloria é a quarta longa-metragem de Sebastián Lelio, mais um nome a fixar do novo cinema chileno. Ganhou o urso de prata em Berlim e agora chega às salas portuguesas. É ousado na forma como retrata uma idade esquecida do cinema: a última estação antes da velhice, conseguindo dar sensualidade a um tempo em que esta tende a esgotar-se, mesmo a nível biológico, com a entrada na menopausa ou andropausa. Muito graças à riqueza da personagem de Gloria (mérito também da atriz Paulina García) faz-nos acreditar que, realmente, a vida começa aos 50 ou sempre que se quiser.

E nisso é provocador na forma como inverte os papeis de pais e filhos. Gloria tem grande dedicação aos seus filhos adultos, esforçando-se por assegurar os laços familiares e ajuda, inclusive, a cuidar dos netos. Todavia, é nos filhos, que se encontra a ideia de estabilidade amorosa e familiar. Gloria, pelo contrário, tem uma atitude que mistura adolescência com solidão, ao frequentar um bar, onde dança e se deixa engatar por homens velhos. É nesse contexto que se cruza com Rodolfo. E começa a história de amor.

Há toda uma ironia, que desmonta os preconceitos com o envelhecimento do corpo. Rodolfo diz-lhe: “A tua personalidade não me sai da cabeça, sinto qualquer coisa muito física”. Tal só não parece forçado, porque Gloria o demonstra na prática. Também como um adolescente, Rodolfo, separado há um ano da mulher, tem uma sede de independência. Contudo, esta debate-se com a dependência da ex-mulher e das filhas, que se torna o maior obstáculo há relação entre os dois. Para ‘adolescer’ é preciso ter mais que vontade. E, em Gloria, o homem é o sexo fraco.

Gloria, enquanto age para contornar a infelicidade da vida, confronta-se com os delírios do seu vizinho de cima (só lhe ouvimos a voz). Este vive uma crise existencial profunda e grita noite adentro frustrações filosófica. Debate-se com o envelhecimento, não encontra o sentido da vida e grita: “Para quê nascer?”. É a voz do subconsciente de Gloria, que ela manda calar, telefonando aos familiares. Só que a voz nunca se cala. Quando se separa de Rodolfo, ele grita desaforos sobre a separação. E, mais próximo do final, ela deixa-o entrar em casa, confrontando-se consigo própria.

Gloria pode ser lido como um conto de fadas sobre o envelhecimento, com um engodo realista, e uma inovadora perspetiva da condição feminina (na versão masculina isto é um lugar comum). Corre sempre o perigo de se tornar forçado, cometendo alguns excessos, na tentativa da demonstração da tese de que ser velho é como ser novo, apenas com mais algumas rugas na pele. É um manifesto de esperança e uma demonstração de fé na intemporalidade do amor ou pelo menos da paixão, feita no sentido oposto de Amor, de Michael Haneke. Como quem diz: é sempre a tempo de morrer e nascer de novo.

Gloria, de Sebastián Lelio, com Paulina García, Sergio Hernández, Diego Fontecilla, 110 min.

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