Como que um grupo de mídia no sul do Brasil tem praticado o jornalismo de soluções

Como que um grupo de mídia no sul do Brasil tem praticado o jornalismo de soluções

Grupo RBS fez plano de ação e treinou jornalistas.

A RBS trabalha com uma redação integrada,  Foto: Isadora Neumann.
Priscila Pacheco

Desde o início de 2020, o Grupo RBS, conglomerado de mídias da região sul do Brasil, tem dado mais atenção ao jornalismo de soluções. A equipe foi preparada e as produções circulam nos canais de televisão, rádio, impresso e de internet. Marta Gleich, diretora de Jornalismo de Jornais e Rádio e coordenadora do projeto Jornalismo de Soluções, participou do 15º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo, promovido pela Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo investigativo nos dias 11 e 12 de setembro, para compartilhar quais são os princípios dessa prática jornalística e qual a experiência da empresa. 

Trabalhando desde a década de 1980 na RBS, Marta conta que uma motivação para dar espaço ao jornalismo de soluções é a crítica que a imprensa tem sofrido por causa do viés negativo. “Críticas, porque as pessoas querem desligar a televisão, o rádio, parar de ler o jornal, porque estão cansadas de uma repetição de más notícias e desesperanças”, comenta. Segundo a jornalista, há um distanciamento do público por causa disso, mas, ao apresentar o problema e soluções, é possível construir pontes e chamar a audiência para o diálogo. 

Dentro da redação, Marta conta que tem sido uma mudança de cultura. São realizados workshops, treinamentos, um manual de jornalismo de soluções está sendo preparado, há um plano de ação e a equipe assiste à palestras internacionais. “Hoje em dia, com essas lives, não é  preciso viajar para o outro lado do mundo para ouvir as pessoas”, compartilha. 

Inclusive, uma das profissionais ouvidas pelos jornalistas da RBS é Liza Gross, vice-presidente da Rede de Jornalismo de Soluções (SNJ, sigla em inglês). Em um dos vídeos, Liza ressalta que o jornalismo de soluções não vai transformar tempos tristes em tempos felizes. “Temos que alinhar as expectativas a respeito disso. O que o jornalismo de soluções faz é que ele é uma técnica que permite ao jornalista oferecer opções ao público”, diz. De acordo com Liza, o intuito é desmembrar o problema e procurar respostas para melhorar ou endereçar um desafio.

A RBS também iniciou uma avaliação para verificar o que deu certo e o que deu errado durante os primeiros meses de implementação da prática. No momento, já é possível observar uma mudança no olhar dos profissionais da empresa. Para Cristine Gallisa, repórter da RBS TV, o jornalismo de soluções permite olhar para um problema sob vários aspectos, ampliar a discussão, dar voz a diferentes protagonistas e mostrar para o público que existem saídas que podem ser construídas a partir do exemplo de iniciativas bem sucedidas e adotadas em outros lugares. 

“É dar aos nossos telespectadores um caminho possível e realista, um pouco de alento em meio a tantos desafios. Um respiro que ajude o público a recuperar a confiança. Toda vez que nos debruçamos sobre um tema usando essas ferramentas, percebemos um ótimo retorno do público, o que nos encoraja a investir mais tempo em pautas com esse enfoque”, diz.

Daniel Scola, apresentador da Rádio Gaúcha e colunista de Zero Hora e GaúchaZH, também vê o jornalismo de soluções como uma ferramenta para oferecer um caminho construtivo para melhorar a sociedade. “Parece idealista demais, mas é o que sinto ao promover o jornalismo de soluções e captar a reação do nosso público. Não podemos ser apenas a lanterna a iluminar uma realidade obscura. Temos de ampliar a claridade para poder sair daquela situação”, comenta.

Durante a participação no congresso, que foi on-line por causa da pandemia de Covid-19, Marta também compartilhou algumas dicas para quem quer fazer reportagens com foco em jornalismo de soluções. 

  • Defina e afunile a pauta;
  • Não tente resolver o problema todo, por exemplo, em vez de fazer uma matéria genérica sobre os problemas da educação no Brasil, quem sabe, fazer uma reportagem sobre como colocar computador e internet em uma escola de um determinado bairro da cidade;
  • Busque exemplos de quem já resolveu problema similar;
  • Amplie o número de fontes consultadas;
  • Engaje o público. Antes de começar a pauta, pergunte para o público qual o real problema. Depois de publicar, interaja, pergunte como aquilo repercutiu, se aquilo está dando certo, o que mais tem para ver, leia os comentários que estão no digital.

Um exemplo das diversas reportagens já publicadas pela RBS é a Sem quarentena obrigatória nem brigas políticas: como o Uruguai domou o coronavírus, texto escrito por Rodrigo Lopes no dia 22 de maio sobre o sucesso do país vizinho no combate à pandemia. 

Questionada se o termo “jornalismo de soluções” é uma medida de marketing e mais um rótulo posto em algo já praticado, Marta respondeu: “Eu não diria que é uma jogada de marketing. Eu diria que é uma maneira de chamar a atenção para a relevância do jornalismo, para que a sociedade melhore. Estamos intensificando o jornalismo, tentando criar uma conexão com o público”.

O painel com a participação de Marta está disponível gratuitamente no site do congresso da Abraji até o dia 12 de outubro. Basta fazer a inscrição e buscar por “O que é, afinal, o Jornalismo de Soluções?”.

 

Sobre o projeto de jornalismo de soluções na América Latina

A Fundação Gabo e a Rede de Jornalismo de Soluções (SJN, sigla em inglês) trabalham em aliança em um projeto que busca formar e incentivar jornalistas da América Latina a aplicar o jornalismo de soluções, enfoque que busca investigar e narrar histórias que abordem respostas que dão ou poderiam dar a cidadãos e instituições a problemas sociais na região. O projeto, apoiado pela Fundação Tinker, contempla a difusão e apropriação de ferramentas e guias, assim como a realização de atividades de formação como workshop, seminários virtuais e desenvolvimento de espaços de aprendizagem em redações de alguns veículos de comunicação da região interessados na modalidade.

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